Na Grande Fortaleza, as execuções sumárias praticadas por menores são determinadas pelos ´cabeças´ do tráfico
"Sei que vou passar pouco tempo preso, e quando sair, vou matar mais três, lá no Alto do Cemitério..."
O relato frio e determinado é de um garoto de apenas 14 anos, apreendido pela Polícia na manhã da última quarta-feira (2), no Município de Maranguape, na Região Metropolitana de Fortaleza. Anderson (nome fictício) está no começo de sua adolescência, mas carrega nas costas a acusação de, pelo menos, oito assassinatos, além de duas tentativas de homicídio e assaltos. Os dois últimos crimes de morte atribuídos a Anderson ocorreram na manhã do dia anterior à sua detenção naquela cidade.
Frieza
O duplo assassinato aconteceu dentro de um mercadinho, no bairro Novo Maranguape, quando foram mortos, a tiro, o comerciante Celson Paulo de Miranda, 42, dono do pequeno estabelecimento; e um PM reformado, o terceiro sargento Keple Miranda de Oliveira, 73.
Apreendido juntamente com outros acusados de participação nos dois homicídios, Anderson demonstrou toda a sua frieza. Confessou envolvimento no crime e revelou à Polícia ter recebido, em troca das execuções, a arma do crime e a quantia de R$ 500 reais. Não aparentou qualquer arrependimento. O mandante também foi detido na operação policial.
Casos como o do ´menino´ Anderson não são raros no cenário da crescente criminalidade no País envolvendo adolescentes e até crianças.
Com apenas 14 anos, o rapaz já matou diversas pessoas e, perante a autoridade policial, não se fez de rogado. Prometeu matar mais, certo de ficará livre de todos os crimes quando atingir a maioridade penal (18 anos).
As autoridades policiais estão cada vez mais convencidas de que, a maioria dos crimes de morte ocorridos na Grande Fortaleza, são decorrentes do tráfico de drogas. Os mandantes são, portanto, os traficantes, e os executores, jovens cooptados pelos criminosos para servirem de ´mulas´ ou ´soldados´ das quadrilhas que comercializam drogas como crack, maconha e cocaína.
Conforme investigações da Polícia Civil, em bairros como a Vila Velha, Barra do Ceará, Bom Jardim e Jangurussu, muitos dos assassinatos registrados nos últimos dez anos foram ´obra´ de adolescentes à serviço de traficantes locais.
No caso específico do duplo assassinato recente em Maranguape, o garoto Anderson não agiu sozinho. Outro rapaz, da mesma idade, também se envolveu nas execuções. Ele foi detido na tarde da última quinta-feira.
Também vítimas
Mas, além de participarem das execuções sumárias determinadas pelos traficantes, esses mesmos garotos acabam também se transformando em vítima da violência armada nos bairros periféricos das grandes cidades brasileiras. Em Fortaleza, a quinta Capital do País, esta realidade se repete.
Conforme pesquisa feita pela Editoria de Polícia do Diário do Nordeste, cerca de 200 adolescentes (jovens com idades entre 12 anos completos e 18 incompletos) foram vítimas de homicídio na Grande Fortaleza. Somente nos quatro primeiros meses de 2012, este número já chega a 45 casos.
"São jovens que estão, cada vez mais, se envolvendo no tráfico de entorpecentes e crimes correlatos e, em consequência disto, também estão matando e morrendo", disse à Reportagem, na semana passada, um promotor de Justiça.
Para a Polícia, os garotos são cooptados pelos traficantes de drogas pela facilidade com que são postos em liberdade mesmo sendo apreendidos em flagrante logo após o cometimento dos assassinatos. Além disso, a moeda de troca para a prática dos homicídios é a própria droga. "Eles (os adolescentes) recebem a missão de matar quem estar devendo aos traficantes e recebem por este ´serviço´ também drogas", conta um inspetor.
Dia a dia
Como consequência desta realidade, no dia a dia da Delegacia da criança e do Adolescente (DCA), em Fortaleza, virou rotina a apreensão de garotos com armas de fogo.
A mesma realidade é vivida nas Varas da Infância e da Juventude de Fortaleza, para onde vão parar os garotos em conflito com a lei e onde recebem as penas (medidas socioeducativas).
Pesquisa projeta 33 mil assassinatos
Envolvidos com o tráfico, os adolescentes brasileiros matam, mas também são assassinados. Uma pesquisa divulgada, em julho de 2009, pela organização não-governamental Observatório das Favelas, revelou que, pelas projeções a partir dos registros oficiais, nada menos que 33 mil adolescentes serão mortos no Brasil em seis anos, entre 2006 e 2012.
Os números vêm se confirmando em todo o País. Jovens com idades entre 12 anos completos e 18 incompletos, são as principais vítimas dos homicídios ligados ao tráfico.
A mesma pesquisa aponta que, além do envolvimento com substâncias entorpecentes, com o acesso fácil a armas de fogo e a exploração por diversos meios (desde o trabalho sexual), os adolescentes brasileiros também sofrem diretamente com a falta de políticas públicas que os tirem da mira dos assassinos.
E uma das vertentes desta realidade pode ser sentida no dia a dia das comunidades, a alta taxa de evasão escolar nesta idade. Com isso, o adolescente acaba permanecendo na rua onde, frequentemente, é seduzido pra o uso e tráfico de drogas e acaba descobrindo na criminalidade uma fonte de sobrevivência e onde também encontra a morte.
Local
No Ceará, a realidade do envolvimento de adolescentes com entorpecentes segue a situação nacional. Mas, algumas iniciativas oficiais e outras não-oficiais buscam redirecionar a juventude para o caminho do bem. O Proerd é uma delas. Trata-se do Programa Educacional de resistência às Drogas e à Violência. Segundo a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), o programa foi criado em Los Angeles, Estados Unidos, em 1983. O Estado do Rio de Janeiro foi o primeiro a implantá-lo no Brasil. Em 2001, a Polícia Militar do Ceará aderiu ao programa, que é administrado pelo Batalhão de Policiamento Comunitário (BpCom), o Ronda do Quarteirão.
No dia 23 de março passado, cerca de 2.750 crianças e adolescentes, dos bairros Aldeota, Messejana e Parangaba, concluíram o curso do Proerd e receberam seus respectivos diplomas.
Também em março último, outras 1.176 crianças, alunas de 12 escolas municipais de Ensino Fundamental do Município de Tianguá (335Km de Fortaleza), concluíram o curso. Já a Polícia Civil, através da sua Divisão de Proteção ao Estudante (Dipre), realiza, durante todo o ano, palestras e oficinas de prevenção às drogas nas escolas públicas.
Garotos viram ´laranjas´ do crime
"O ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) veio para proteger e acabou por beneficiar os adolescentes infratores. O estatuto está transformando adolescentes em ´laranjas´ do crime", afirma o juiz titular da Quinta Vara da Infância e da Juventude de Fortaleza, Manuel Clístenes de Façanha e Gonçalves.
Segundo o magistrado a reincidência é muito alta, e os crimes tendem a ser mais graves, a cada vez que os garotos reincidem. Ele ressalta que os menores não levam à sério as medidas impostas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.
"O ´salvo-conduto´ que existe na cabeça dos menores foi instalado pelo ECA, que não está sendo capaz de resolver a situação. É uma lei que não impõe medo, nem senso de responsabilidade", lamenta o juiz Clístenes.
Além dos crimes que são planejados por eles, os adolescentes estão sendo usados pelos mandantes, geralmente, traficantes de drogas Para um caso como o duplo homicídio, um maior poderia pegar penas que variam de 24 a 60 anos, o menor, fica internado, no máximo durante três anos.
Internado
O adolescente acusado do duplo homicídio, em Maranguape, foi preso provisoriamente e, ficará por 45 dias. Passado este prazo, se o processo não for julgado em tempo hábil, ele será liberado. O menor foi encaminhado para o Centro Educacional do Passaré, onde ficará até que cumpra o tempo estabelecido. A internação foi decretada pelo juiz da comarca de Maranguape.
Apesar dos muitos homicídios que o garoto confessa, consta no sistema do Judiciário, ´apenas´ dois processos contra ele, um por tentativa de homicídio, em Maracanaú; e o duplo homicídio, em Maranguape. Os demais casos dos quais ele é acusado ainda estão em fase de inquérito policial. Mas, a gravidade dos delitos atribuídos ao menino impressiona, pois, geralmente, garotos começam cometendo pequenos furtos e, depois, roubos.
FERNANDO RIBEIRO
EDITOR DE POLÍCIA
FONTE: DN ONLINE
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