Sem água e pasto para sustentar os rebanhos, os criadores buscam meios para diminuir os prejuízos no campo
Iguatu A seca que castiga a região do semiárido do Nordeste já provoca redução na cotação de venda de animais bovinos, ovinos e caprinos. O preço do quilo do boi vivo é comercializado hoje com queda de 28% em relação ao praticado na semana passada. O quilo estava a R$ 3,50 e agora caiu para R$ 2,50 nas feiras e mercados das cidades do Interior do Ceará.
Sem condições de alimentar o rebanho, por falta de pastagem e em decorrência da elevação de preço dos insumos (ração, milho, soja, concentrados), os criadores estão antecipando a venda dos animais, que ainda se apresentam com peso médio.
A maior oferta de carne no mercado provoca redução de preço. Desde o início deste mês que animais vindos de Pernambuco, que também sofre com a seca, abastecem o mercado consumidor da região Sul, o Cariri cearense.
O desespero de muitos produtores faz com que até matrizes (vacas) sejam vendidas para o abate. "A situação é preocupante", disse o vice-presidente da Federação da Agricultura do Estado do Ceará (Faec), Paulo Hélder de Alencar Braga. "O preço vai cair ainda mais". A Faec mostra-se preocupada com a queda da produção leiteira do Estado, que estava em crescimento nos últimos anos.
O presidente do Sindicato dos Produtores de Leite do Ceará, Álvaro Carneiro Júnior, disse que, na próxima semana, haverá audiência pública na Assembleia Legislativa para tratar da questão e solicitar do Governo ações em socorro ao setor agropecuário. O fornecimento de milho e de ração pela Conab são pautas presentes que serão encaminhadas ao Estado.
Nos Municípios de Canindé e Santa Quitéria, criadores de bovinos e ovinos estão amargando prejuízos com a falta de pasto e água para os animais. Quem não quer ver o rebanho virar alimento para urubus está vendendo pela metade do preço.
É o caso do criador José Benevindo Sousa, da localidade de Santo Antônio, em Santa Quitéria. Ele comprou uma vaca com bezerro por R$ 2,5 mil. Por falta de condições de criar, vendeu por R$ 1,2 mil, 50% menor.
Outro que se desfez do rebanho foi José Wilson Furtado. Residente no Assentamento Oiticica, entre Canindé e Santa Quitéria, ele comprou cinco vacas, em novembro de 2011, por R$ 8 mil. Agora, foi obrigado a vender o gado por R$ 3,5 mil. "É inacreditável e inaceitável que os governos se deixem surpreender mais uma vez pela seca no Nordeste. O fenômeno já está suficientemente estudado e é perfeitamente previsível, mas, a cada seca, se deixa surpreender", afirma o pecuarista Jose Wilson.
Nos próximos meses, as dificuldades para manutenção dos rebanhos aumentarão. O valor da ração também está mais caro. Uma saca de resíduo custa R$ 36,00. Um saco de farelo R$, 26,00. Já um saco de milho atingiu os R$ 40,00, enquanto uma carga de capim, que já não existe, é vendida por R$ 20,00.
"O maior governo do pobre é o inverno. Sem ele, a situação vira calamidade e quem não quiser ficar de esmolas, tem que vender seu gado, seu plantel de ovino, porque não existem políticas voltadas para ajudar o pequeno criador", critica José Wilson.
No Sítio Pedras Pretas, Antoniel Martins, que até o início do ano mantinha 13 gados na sua propriedade, já se desfez de oito. "Não tem como manter os animais, não existe comida no pasto e água, muitas das vezes, só encontra num raio de 11 quilômetros. O gado vai beber e, quando chega no curral, já volta com sede devido à distância", lamenta Antoniel. Segundo informa, vendeu suas vacas ao preço de R$ 400,00.
De acordo com o presidente da Associação dos Vaqueiros e Criadores dos Sertões de Canindé, José Curdulino Filho, a situação já é de calamidade. No campo não existe comida e nem água para garantir a permanência dos animais. "Essas vendas irão continuar, porque ninguém vai querer ver um patrimônio seu virar alimento de urubu", avisa ele.
Ovinos e caprinos
Se na bovinocultura o quadro é de crise, na ovinocaprinocultura, os criadores buscam alternativas. Em vez de gastar com ração, estão abatendo os animais e vendendo no quilo. Clodolado Frederico Cruz, do Assentamento Jerimum, em Canindé, disse que uma ovelha comprada em janeiro por R$ 150,00, os donos de frigoríficos só querem pagar R$ 80,00. Um carneiro que custou R$ 200,00, hoje só vale a metade. "Se vendermos do jeito que eles querem, é prejuízo na certa. Não dar para viver dessa forma, comprando caro e vendendo barato", lamenta Clodoaldo.
Segundo ele, a melhor forma encontrada foi abater para depois vender de porta em porta ao preço de R$ 10,00 o quilo. Depois de abatido, o animal chega a pesar entre 13 e 15 quilos. "É melhor porque os prejuízos ainda são menores. Mas, se continuar do jeito que vai, dentro de 30 dias não vai sobrar ovino. Vai se acabar tudo", prevê.
"Nunca tinha visto uma seca nessas proporções. Falta de tudo, e a única coisa que ainda segura as famílias é o Bolsa Família e nada mais", disse.
O grande gargalo de tudo isso é que a maioria desses animais foi comprada por meio de financiamentos do Programa Nacional da Agricultura Familiar (Pronaf) e, com certeza, esses agricultores terão que prestar contas com o Governo Federal.
O pecuarista que está vendendo se livra de um problema de imediato, mas adia a solução de outro, o débito no banco.
HONÓRIO BARBOSA / ANTONIO CARLOS ALVES
REPÓRTER/ COLABORADOR
Nove Municípíos decretam emergência
Quixadá A cada dia aumenta a preocupação com a falta de chuvas no Interior do Ceará. A estiagem se prolonga e mais prefeituras estão decretando Estado de Emergência. A última do Centro do Estado a reconhecer a situação de calamidade pública foi Pedra Branca, ontem. Um dia antes, na tarde da terça-feira, foi a vez de Ibaretama. No fim da semana passada, o prefeito de Quixadá, Rômulo Carneiro, também decretou a medida emergencial. Na região, segundo as Defesas Civis Municipais de Madalena e Choró, as Prefeituras também já sancionaram a medidas no âmbito local.
Quixeramobim foi a primeira cidade do Ceará a protocolar o pedido em Brasília, na segunda-feira. Os técnicos da Defesa Civil Nacional têm 10 dias para analisar o pedido. Não havendo pendências, a homologação sai rápido. O coordenador municipal de Defesa Civil, Marcos Machado, aguardava ainda para ontem, a publicação no Diário Oficial da União. "O reconhecimento da Defesa Civil Nacional abrirá as portas para atendermos melhor as famílias afetadas pela seca no nosso Município. Com os recursos financeiros, será possível saciar a fome e a sede de muita gente", explicou o coordenador.
Outros Municípios do Ceará já decretaram Estado de Emergência no início do mês. É o caso de Miraíma, na Zona Norte, cerca de 65Km de Itapipoca. Segundo Jesus Votan, assessor do prefeito Roberto Ivens Sales, mais conhecido por "Betão", a medida foi adotada dia 10 de abril.
Mas, até agora, não tem registros do pedido no Ministério da Integração e nem na Defesa Civil Estadual. O Município é um dos mais pobres daquela região. Depende exclusivamente da agropecuária e, agora, do auxílio Federal e do Estado para assistir a população nesta seca. Porém, o pedido de socorro ainda não chegou aos órgãos oficiais.
Conforme a Assessoria de Comunicação do Ministério da Integração Nacional, até o enceramento desta edição, apenas Quixeramobim havia feito a solicitação. O pedido estava sendo avaliado pela Secretaria Nacional de Defesa Civil. Para contar com os recursos financeiros federais, os gestores municipais devem encaminhar um Plano de Trabalho com as necessidades locais. Sem o atendimento às normas estabelecidas conforme a Lei 12.340, a qual dispõe sobre as transferências de recursos da União aos órgãos e entidades dos Estados e Municípios para áreas atingidas por desastre, não há como contar com o amparo do Fundo Especial para calamidades públicas.
Uma alternativa para agilizar o processo e solucionar pendências é recorrer à Coordenadoria da Defesa Civil Estadual (Cedeca). A equipe da Cedeca também acompanha e encaminha os pedidos ao Ministério da Integração. As Prefeituras não têm nenhuma despesa. Todavia, segundo a assessora técnica do órgão, Ioneide Araújo, até ontem, apenas quatro Municípios encaminharam notificação à Cedeca. Choró, no Sertão Central, foi o primeiro. Logo depois, Solonópole e Ibaretama. Iracema, na região jaguaribana, foi o último. Embora a Defesa Civil Nacional seja a responsável pela avaliação, a Cedeca é quem acompanha e fiscaliza as áreas afetadas no Estado. Com o auxílio, o amparo chega mais rápido ao homem do campo.
Dificuldade
Essa é a expectativa de Francisco José dos Santos. Ele plantou dois hectares de milho e de feijão em Ibaretama. Com boas chuvas, tira até 15 sacas de milho e seis de feijão. Se ainda cair água neste ano, vai conseguir, no máximo, uma saca de grãos.
"Mas, se demorar, o jeito vai ser liberar a área para o gado do vizinho pastar. A folhagem ainda esta verdinha, mas se o plantio está perdido, não é justo deixar os bichos também morrerem de fome", afirma o agricultor.
Assim como milhares de sertanejos, ele espera que o Estado de Emergência decretado na sua terra não passe de conversa. Caso contrário, vão sofrer muito mais até chover novamente.
ALEX PIMENTEL
COLABORADOR
FONTE: DN ONLINE
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